Monday, October 16, 2006

CARTA DE UM VELHO CIDADÃO BRASILEIRO AO GRANDE CHEFE DE COLARINHO BRANCO


Crônica de Ergom Abraham sobre o atual momento político brasileiro inspirada na famosa carta do chefe índio Seatle ao presidente dos EUA Flanklin Pierce em 1854.

Como é que se pode comprar e vender a dignidade do povo e a liberdade de uma nação? Essa idéia nos parece estranha. Se não possuímos cultura e consciência para ver tudo o que está aí, uma das mais ricas naturezas do planeta, tudo vivo e sagrado... como é possível que nosso povo se torne uma grande e rica nação?

Cada pedaço desta Terra deveria ser amado por nosso povo, cada sorriso de uma criança, cada punhado de areia das nossas margens plácidas, a penumbra das verdes matas, o céu azul anil e as estrelas do Cruzeiro do Sul são sagrados na memória e experiência de nosso povo. Os carros-gente que rugem e transitam pelas estradas, ruas e avenidas também levam a experiência de vida desse povo.

Somos parte desta Terra e ela faz parte de nós, todos os aqui nascidos e os que aqui vieram são nossos irmãos; os judeus, os árabes, os italianos e todos os outros são nossos irmãos. Os baianos, os cariocas, os nordestinos, gente de todos os estados — todos pertencem à mesma família. Portanto, quando o grande chefe colarinho branco de Brasília manda dizer que deseja continuar seu mandato, pede muito de nós.

O grande chefe diz que lutará para que possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Quer que consideremos sua oferta em continuar sendo presidente. Mas, adiantamos, isso não é fácil.

Este terra de Vera Cruz é sagrada para nós. Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas é também o sangue de nossos antepassados. Se concordarmos em deixá-lo continuar como presidente, o senhor deve lembrar-se que ela é sagrada e deve ensinar aos seus ministros que ela é sagrada, e que cada reflexo nas águas antigamente límpidas dos lagos e rios fala de acontecimentos e lembranças da vida de nosso povo. O murmúrio das águas é a voz de nossos ancestrais.

Muitos murmúrios são tristes e carregam dor. Os rios levam todo o descaso que o grande chefe e seus seguidores estão cometendo contra a nossa mãe natureza. Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossos barcos e alimentam nossas crianças. Se deixarmos o senhor por mais um mandato, deve lembrar e ensinar aos filhos da nação que os rios são nossos irmãos, e seus também. E portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicam a qualquer irmão. Assim como também às florestas.

Sabemos que o grande chefe da nação quando subiu à posição de presidente, esqueceu-se do povo humilde. Dinheiro desonesto, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outro. Tornou-se um forasteiro que vem à noite e leva do povo aquilo que deseja. O povo não é seu irmão, mas seu inimigo e quando ele o conquista e o engana prossegue seu caminho. Deixando para trás a dor, a vergonha e a indignação de seus eleitores e não se incomoda. Rapta do povo aquilo que seria de seus filhos e não se importa. A dignidade dos pais e os direitos de filhos são esquecidos. Trata de sua mãe, a pátria, e de seu irmão, o povo, como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como enfeites coloridos. Seu apetite devora a terra, deixando somente um deserto.

Eu não sei... Nossa moral é diferente da sua. A visão da degradação do povo nas cidades fere os nossos olhos. Talvez seja porque eu não compreenda. Não há um dia que não vemos notícias a respeito de roubo do dinheiro do povo em palácios. Nenhum dia onde se possa assistir o a tela mágica e ver que as Leis estão sendo cumpridas, que os corruptos estão sendo presos e castigados, que o grande Chefe da Justiça está agindo com justiça e não protegendo os maus políticos e os bandidos. Mas talvez seja porque eu sou ignorante e não compreenda isso.

Os mascarados, os hipócritas, a dançarina e os palhaços de plenário parecem insultar os nossos sentidos e a grande tenda das leis virou um circo que mais parece um hospício. E o que resta da vida se o homem não pode dar exemplos dignificantes dos grandes chefes do povo?

Eu sou um homem velho e não compreendo. O povo verdadeiro, os guerreiros da paz e da vida preferem transferir aos seus descendentes os valores da honestidade, do caráter, da fé e do respeito às autoridades. Coisa muito difícil de se fazer nesses dias.

O “ar do céu risonho e límpido” é importante ao nosso povo, pois todas as coisas compartilham o mesmo céu — o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro da vida. Parece que os homens de colarinho branco não sentem o ar que respiram. Como um homem agonizante há vários dias, são insensíveis ao mau cheiro.

Mas se concordarmos que o senhor fique por mais quatro anos, deve lembrar que o ar é tão precioso para nós, quanto à liberdade de nossa expressão criativa, que o ar compartilha do nosso espírito assim como nós queremos compartilhar a nossa alegria de viver. O voto que lhe demos no seu primeiro mandato pode ser o mesmo que daremos para a sua saída.

Se concordarmos com a sua governância sobre a nossa terra, o senhor e todos os seus ministros devem mantê-la intacta e sagrada, como um lugar onde até mesmo o ser mais humilde possa saborear seu descanso nesse honrado “berço Esplendido”. Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de continuar no governo.

Se decidirmos aceitar, imporemos uma condição: O chefe de colarinho branco deve tratar todos desta terra como seus irmãos. Sou um homem simples e humilde e não compreendo outra forma de agir. Tenho visto muita gente morrendo de fome, muitos estão abandonados à própria sorte, nas filas das casas públicas de cura são tratados como animais que vão ao abatedouro. Eu sou um homem simples e não compreendo como é que seres humanos, vidas humanas podem ser mais importantes que riquezas perecíveis que ferrugens podem comer ou poderes de prazo fixo que logo mais acabarão. Não consigo entender como sacrificamos nossas crianças e nossa juventude sem pensar no amanhã.

O que é o homem sem dignidade?. Se todos perderem sua dignidade, o homem morrerá de uma grande solidão de espírito. Pois a dignidade é que mantém a civilização nos trilhos da honradez. Há uma ligação em tudo.

O chefe de colarinho branco deve mandar que ensinem às nossas crianças nas escolas que os solos aos seus pés são a cinza de seus avós. Para que respeitem a terra, diga a essas crianças que ela foi enriquecida com a vida de nosso povo. Que os mestres ensinem às nossas crianças o que os nossos índios ensinam às crianças deles, que a terra é nossa mãe. Tudo que acontecer com a terra acontecerá aos filhos da terra. Que se os homens cospem na terra e no seu povo, estarão cuspindo em si mesmo.

Isto sabemos: O povo não pertence ao governo; o governo pertence ao povo.

Isto sabemos: Todas as coisas estão ligadas como sangue que une uma família. Há ligação em tudo. O que ocorrer com a terra recairá com os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará o si mesmo. Mesmo o homem de colarinho branco, cujo Deus ele pensa que fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum.

É possível que o aceitemos por mais 4 anos, apesar de tudo. Veremos... De uma coisa estamos certos e o grande chefe de colarinho branco poderá vir a descobrir um dia: Nosso Deus é o mesmo Deus. O senhor pode pensar que o possui, como deseja possuir nossa vida, nossa moral e nossa liberdade, mas não é possível. Ele é o Deus do homem e sua compaixão é igual para o homem do povo e para os homens de colarinho branco. A nossa dignidade nos é preciosa e nosso sangue ferve quando desprezam nossa honra.

Os homens atuais de colarinho branco passarão (políticos), talvez mais cedo que todos os outros chefes de governo. Contaminem esses palácios e uma noite serão sufocados pelo próprio dejeto que ai depositaram. Mas quando de sua desaparição, o Sol voltará brilhar na pátria nesse instante, intensamente iluminados pela força do Cruzeiro do Sul e por alguma razão especial, fará deste país o exemplo de Paz e glória para todo o mundo.

Este destino é um mistério para muitos, pois não compreendemos que todos os homens impuros e perigosos para a sociedade continuem soltos, que os bons sejam perseguidos, que as favelas não recebam nenhum benefício, que a fome continue a se alastrar, que o povo continue sem emprego, que os impostos continuem sangrando nossas vidas, que nossa riqueza continue a ser roubada, que tantas coisas continuem sem solução.

Onde está a alegria? Desapareceu!. Onde estão os empregos? Desapareceram!

É o final desta vida e o início da sobrevivência...
Onde está o grande chefe de todos os homens, onde estão seus guerreiros da Paz?
Fazendo tudo o que não deviam?

Os ladrões compraram seus tambores, suas flechas e suas almas?
Nosso coração e o coração de nossos filhos não mais batem no ritmo da vida...

Neste momento, somente urubus voam ao redor de Brasília...

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